por Catarina Araújo
A família paterna de Catherine tem um sobrenome muito complicado, e como tem um sobrenome complicado, quando o pai foi pedir uma certidão de nascimento ao registo civil deixou-se convencer pelo funcionário – que não estava com tempo nem paciência para pedir que soletrasse o sobrenome – a simplificá-lo e assim ficou com o sobrenome Certitude, que quer dizer certeza, verdade, crença.
Encontramos Catherine Certitude já crescida, em Nova Iorque, com uma filha também já crescida, sua assistente na escola de bailado que dirige. Ela observa através da janela do seu apartamento, que fica em frente à escola, as alunas a descansarem dos exercícios. Entre essas alunas há uma que faz emergir uma memória antiga em Catherine. Essa menina tira os óculos para dançar, tal como ela fazia quando era pequena, pois «não se dança com óculos».
Tirar e pôr os óculos dividem-na em dois mundos. O primeiro é nítido, áspero, cheio de contornos, enquanto o segundo é suave e macio, como num sonho. Com os óculos é obrigada a ver o mundo como ele é, sem eles, pode sonhar.
Somos então transportados para trinta anos antes, em Paris, onde Catherine vivia com o pai no X.º bairro. A mãe mudara-se para Nova Iorque e esperava por eles lá, enquanto o pai resolvia «assuntos comerciais» com o seu sócio, com quem geria um armazém: o senhor Casterade, mais conhecido como o «chato». É um homem rígido, austero, com a mania das lições de moral e das catástrofes.
Numa cadência sem pressas, vamos acompanhando o dia-a-dia de Catherine antes de partir de Paris para Nova Iorque. Além do senhor Casterade, conhecemos a professora de dança de Catherine, Galina Dismaïlova, a amiguinha, Odile, os pais ricos e altivos de Odile.
É uma história simples, mas com personagens vincadas que conferem um retrato pitoresco àquelas memórias de infância. As ilustrações de Sempé, de cores pastéis, como que envoltas pelo nevoeiro das lembranças, ajudam a ilustrar esse passado que Catherine partilha connosco.
Quem procura uma história para ler não irá encontrá-la aqui. Não existe o arco típico das histórias juvenis, não encontramos aventura, nem mistério, nem suspense. Encontramos personagens, com as suas peculiaridades, vistas pelos olhos de uma mulher adulta que recorda um momento particular da sua infância. É como se tropeçássemos num pequeno capítulo de um grande livro que está a ser escrito. Apanhamos apenas um vislumbre das pequenas verdades que Catherine rememora, com e sem os óculos postos.
Um livro terno, poético, de uma simplicidade reconfortante.
Título: A História de Catherine
Autor: Patrick Modiano
Ilustração: Sempé
Tradução: Álvaro Manuel Machado
Editor: Editorial Presença