Entrevista a Jaime de Oliveira Martins

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por Sofia Pereira

Jaime de Oliveira Martins nasceu em 1963, na Marinha Grande. Viveu em Leiria e frequentou o curso de Relações Públicas na LeTourneau University, Texas, EUA. Em 2015, licenciou-se em Relações Humanas e Comunicação Organizacional, na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria. Escritor com um sentido de humor requintado e muito atento à realidade que nos rodeia, incursou no universo literário com a publicação do livro Fontes de Guerra, Fontes de Paz.

A Fábulas entrevistou o autor. Jaime de Oliveira Martins, que desde cedo manifestou um enorme fascínio pela escrita, fala-nos do seu percurso, dos seus gostos e inspirações no mundo das letras.

Em que momento da sua vida surge a paixão pela escrita?

Sempre gostei de escrever. Desde os tempos da escola primária. No entanto, tudo o que escrevia, lia, saboreava e rasgava. Até que a Fátima, a minha mulher, incentivou-me a guardar os meus escritos, sendo que alguns deles estiveram na origem do primeiro livro, Fontes de Guerra Fontes de Paz. A boa aceitação pelos leitores foi o impulso que faltava para continuar, num processo que se entranhou e que resultou em mais dois livros, o Mar Liberal e, o mais recente, Heróis do Ar.

Considera que tem sido dado espaço suficiente à literatura em Portugal?

Tenho que reconhecer que algo tem sido feito nos últimos tempos. Parece-me que há empenho para fazer regressar o gosto pela leitura. No entanto, também me parece que há alguns autores com valor que nunca conseguem verdadeiramente revelar a sua obra e que, por manifesta falta de apoio, permanecerão desconhecidos. Refiro-me a autores portugueses, naturalmente, pois muitas pessoas compram pelo nome… e, nesse sentido, penso que o espaço dado não é ainda suficiente. É importante estimular novos autores, reconhecer os meritórios e fomentar a sua leitura.

Qual foi o livro que mais o marcou em criança? Porquê?

Em criança não era grande leitor. Lia as aventuras dos Cinco e banda desenhada. Mais tarde, fui influenciado por algumas obras de Dale Carnagie, que foram determinantes para a minha forma de interagir com os outros, e pela obra A Pérola de John Steinbeck, que me alertou para a relativização da riqueza. A Vela Branca, de Sergio Bambarén, também foi marcante para mim, pelo simbolismo da viagem à descoberta do mundo, que pode, acima de tudo, ser a auto descoberta.

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Fontes de Guerra, Fontes de Paz recria um período conturbado da nossa história – as Invasões Francesas – e desenrola-se num lugar muito especial para si, nas Fontes, em Leiria. Podemos considerar que esta sua primeira incursão na escrita é uma homenagem aos seus antepassados e ao lugar onde vive há cerca de 10 anos?

Sem dúvida! É intencional a homenagem aos meus antepassados, onde figura um soldado de Napoleão que se apaixonou por uma camponesa e por cá ficou. A minha mãe ainda tinha o apelido francês «Mingot». Por outro lado, há cerca de onze anos que me mudei para as Fontes. É um lugar que eu adoro, considero a «aldeia mais aldeia» do concelho de Leiria. Quis plasmar esta minha paixão por aquele lugar, descrevendo toda a zona e a sua envolvência nas narrativas e também na escolha do título.

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Mar Liberal conta a aventura de dois jovens e grandes amigos de infância, Rufino e Teodoro, que partem à descoberta de novas aventuras. Este livro é um convite aos mais jovens para refletirem sobre a importância dos sonhos que todos temos, lembrando-os que há momentos na vida em que é necessária uma atitude firme e assertiva para conseguir alcançar aquilo que desejamos?

Mar Liberal é isso e muito mais. Considero que não deveremos desistir dos nossos sonhos, mas para os perseguir há que ter consciência da sua exequibilidade, senão deixam de ser sonhos para serem utopias, que nos conduzem a um estado de frustração permanente. No caso dos dois jovens que refere, eles foram atrás de algo, não sabiam muito bem de quê, mas acabaram por encontrar o seu rumo, ainda que esbarrando em dissonâncias. No entanto, a partir do momento em que o objetivo é definido, o foco e a firmeza são determinantes. Foi graças a esse foco, à firmeza e à determinação dos valores que defendiam que os liberais, embora em clara inferioridade numérica e capacidade bélica, venceram as batalhas decisivas para o desenlace da guerra.

Deixou algum sonho de criança e/ou adolescente por realizar? E, hoje, é um sonhador?

Tenho que sorrir para responder a esta questão! Tantos sonhos que ficaram para trás, mas tantos outros que se tornaram realidade. A vida é a gestão destas emoções e a forma como lidamos com elas pode condicionar a nossa atitude. Por exemplo, enquanto adolescente não perdia uma corrida de Fórmula 1 e sonhava um dia ser piloto. Tomei consciência que este era um sonho que não podia concretizar e não me deixei dominar por qualquer frustração. Ciente da minha realidade, agarrei-me a coisas mais simples e tangíveis como praticar mergulho com garrafa, viver intensamente as amizades, ir viver para as Fontes e escrever um livro. Penso que um sonho tangível é saudável e um sonho intangível pode tornar-se numa obsessão patológica. Hoje, continuo a sonhar, claro! E muitos desses sonhos estão patentes, e de alguma forma vividos, em alguns protagonistas ficcionados. Espero um dia pegar numa autocaravana e sair, sem destino e sem tempo, nem que seja através de um dos meus próximos personagens.

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O facto de ter cumprido o Serviço Militar Obrigatório influenciou a escrita de Heróis do Ar?

Não. Cumpri o serviço militar obrigatório, no exército. O facto do serviço militar ser obrigatório na altura, condicionou o meu percurso de vida, pois tive de suspender os meus estudos nos Estados Unidos. Nunca me passou pela cabeça não poder regressar ao meu país sem poder andar de cabeça erguida. O Heróis do Ar surge na sequência da relevância que quis dar aos diferentes ramos das forças armadas em diferentes épocas da nossa História.

Podemos considerar que os seus três livros publicados compõem uma trilogia?

Sim. Verdadeiramente até mais do que uma trilogia. No Fontes de Guerra, Fontes de Paz, tem algum relevo o exército. No Mar Liberal, a Marinha de Guerra e a importância do domínio do Mar. Por fim, com o Heróis do Ar a aviação militar e a importância do domínio do ar. Outra trilogia é que, considerando a importância e a influência que a Maçonaria teve em cada uma das épocas das diferentes narrativas, resolvi incluir no primeiro livro a descrição de uma cerimónia de iniciação de um aprendiz, no segundo uma passagem ao grau de companheiro, e no terceiro, a elevação ao grau de mestre maçon, que são os três primeiros graus da maçonaria. Há ainda a peculiaridade dos nomes do três principais personagens no Fontes de Guerra Fontes de Paz, Tiago, James e Jacques, que não foram escolhidos ao acaso.

Na sua obra, é percetível um fascínio pela maçonaria, pela religião e pela carbonária. A que se deve esse interesse?

O meu pai foi pastor evangélico. Deixou a sua marca na Igreja Baptista de Leiria, da Marinha Grande, das Caldas da Rainha, de Alcobaça, da Vieira de Leiria, entre outras. Era um homem dedicado a causas filantrópicas e também nesse ponto de vista deixou marca. Naturalmente que foi uma referência para mim. Sou particularmente crítico em relação à Igreja Católica, sobretudo de uma determinada época de obscurantismo e de repressão. Não me revejo em qualquer dogma e, por isso, a minha posição crítica é mais abrangente. Hoje, não professo qualquer religião, respeito a espiritualidade de cada um e sinto-me bem em qualquer lugar onde a minha espiritualidade seja respeitada e sejam procurados os ideais de paz. Por outro lado como maçon, procuro através das minhas obras desmistificar muitos rumores à volta da Maçonaria e tento abordar este tema de uma forma simples, questionando mesmo alguns assuntos que são caros à própria Maçonaria. Um leitor atento referiu-me que a Maçonaria quase que é ela própria um personagem. E eu concordo, pois é intencional. Pela carbonária, não tenho qualquer fascínio. Foi uma organização que teve a sua época, com metodologias de ação questionáveis. Muitas vezes, tem sido confundida com a Maçonaria e, por isso, tem dado lugar a muitos mal-entendidos, que procuro esclarecer no Heróis do Ar. Quero deixar bem claro que as minhas «provocações», como gosto de lhes chamar, em nada concorrem para a diminuição intelectual do outro, mas são, isso sim, um convite à reflexão e a uma contextualização histórica.

A cidade e a região de Leiria surgem frequentemente como cenário das suas narrativas. Paralelamente, nas suas obras, os leitores são desafiados a conviver com personagens que marcaram a história deste território. Considera que Leiria tem um património histórico-cultural inspirador?

Sem dúvida! E isso para mim é uma espécie de ponto de honra. Independentemente dos posicionamentos políticos ou religiosos que Leiria tenha tomado no passado, fazem parte de um património histórico e cultural que deve ser preservado e divulgado. A região esteve sempre presente nas minhas narrativas e faço questão que esteja no futuro. Leiria tem potencial capaz de despertar paixões e é notório o trabalho que nos últimos anos tem sido feito no sentido de levar Leiria mais longe. Pela minha parte, procuro fazer passar a minha paixão e dar o meu modesto contributo.

Sente-se satisfeito com a receção que os livros têm tido junto dos leitores?

Muito. Começou pela concretização de um sonho, escrever um livro. Depois esse livro teve leitores que puxaram para o segundo e, mais tarde, para o terceiro. O Heróis do Ar, em apenas cinco meses, surge com a segunda edição. Só posso estar satisfeito, mas sobretudo grato aos meus leitores.

Dos livros que já publicou, há algum que tenha gostado mais de escrever? Porquê?

São todos diferentes. O Fontes de Guerra, Fontes de Paz foi uma edição de autor, a primeira experiência que, quase a medo, resultou numa grande exposição. Para o Mar Liberal, já parti mais ciente de que tinha leitores, e o meu grau de exigência na pesquisa e no trabalho foi maior. Deixei de sentir a tal exposição para sentir uma entrega aos leitores. O facto de ter suscitado o interesse da Editora Marcador foi um passo determinante como motivação e para alguma evolução. Um processo de aprendizagem muito marcante e que devo ao profissionalismo de todos os colaboradores da Marcador, em particular ao meu editor, o Hugo Gonçalves, para com quem tenho uma dívida de gratidão. Este processo de aprendizagem veio a repercutir-se na elaboração do Heróis do Ar e o processo de aprendizagem continuou com o excelente trabalho da Cultura Editora, do João Gonçalves que continua a acreditar em mim, e da infinita paciência da minha editora e revisora, a Paula Caetano. Tenho, portanto, dificuldade em dizer qual gostei mais de escrever, pois com cada um saí mais rico e com noção que tenho muito a aprender ainda. É tão difícil de responder a esta questão, como será a um pai confrontado com a pergunta: qual dos filhos gosta mais?

Escreve todos os dias? Por prazer ou necessidade?

Não escrevo todos os dias. Escrevo quando uma ideia surge e depois é difícil parar, tornando-se numa necessidade. Cheguei a passar noites inteiras a escrever ou a acordar de noite com necessidade de escrever. Nunca escrevi por obrigação ou por compromisso editorial. Apenas por prazer. Ando sempre com o meu caderno de apontamentos à mão e, por vezes, do anotar de uma ideia à beira-mar, ou ao apreciar uma estrela cadente, ou numa conversa informal com amigos, pode surgir uma mão cheia de páginas…

Tem algum ritual de escrita?

Ritual não tenho. Para mim é fundamental visitar e conhecer minimamente os locais que descrevo nas minhas narrativas. Receber a energia telúrica que emana desses locais. Procuro também vivenciar as experiências que descrevo. Por exemplo, para melhor entender a vida a bordo de um veleiro, para além de imensa bibliografia que consultei, fui passar um fim-de-semana a bordo do Creoula, como parte da guarnição, para ter essa vivência. A descrição da batalha do cabo de S. Vicente no Mar Liberal foi escrita a bordo. Para o Heróis do Ar, fui fazer um voo num avião com 67 anos, de vidro aberto e a apanhar o vento na cara e ainda experienciei algumas manobras acrobáticas, de defesa ou ataque, para ter essa vivência. Montei e pintei kits de miniaturas de aviões da época e, ao descrever algumas dogfights, brincava com os aviões sobre a minha secretária, tal qual uma criança. Estranho? Talvez, mas muito inspirador e estou certo que com impacto na intensidade das narrativas.

Lembra-se do momento em que viu pela primeira vez um livro seu nas montras das livrarias? Descreva-nos como foi a sensação.

Uma expressão que uso muito: fiquei de coração cheio! Foi como ver um pedaço de mim, olhar-me ao espelho. Mas melhor ainda foi ver uma senhora a ler um dos meus livros na praia. Não resisti e fui perguntar-lhe se estava a gostar. A senhora ficou a olhar para mim, respondeu que sim; conversámos um pouco sobre o livro e só mais tarde depois é que a senhora reparou que eu era o autor. Foi hilariante, mas muito gratificante!

Podemos esperar a publicação de um novo livro para breve?

Depende do significado de breve. Estou já a trabalhar num novo projeto, mas ainda na fase de pesquisa. Já escrevi algumas páginas, mas nada de muito consistente. Neste momento, sinto que tenho uma responsabilidade acrescida. Não gosto de escrever sob pressão. Julgo que se conseguir «mergulhar» com êxito nos próximos meses na época em que me vou situar, em 2020 teremos por aí o meu quarto filho de papel.

Qual a sua maior ambição literária?

É continuar a receber telefonemas, mensagens, e-mails de gratificação e encorajamento. É continuar a ter os leitores a pedir mais. Escrevo para agradar aos leitores, escrevo procurando dar um contributo para o nosso enriquecimento cultural. Se algo de melhor vier por acréscimo, apenas ficarei mais satisfeito.

Obrigada!

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