por Ana Ramalhete
Sara Monteiro é uma escritora com vários livros publicados na área da literatura para a infância e juventude.
Na sua obra, as personagens têm características que as tornam únicas e inesquecíveis. Seja uma princesa peluda que quer governar o reino de seu pai (A princesa que queria ser rei), um príncipe excessivamente tímido que usa uma máscara (O príncipe perfeito), uma mãe que convive com seres estranhos (Cartas de uma mãe à sua filha) ou uma lebre preocupada com o equilíbrio ecológico (A lebre e o raminho de salsa), nenhuma nos deixa indiferente. Pelo contrário, ficamos sempre com vontade de as reencontrar e ansiamos por descobrir quem serão e como serão as próximas.
Sara respondeu a dez perguntas, uma sobre cada livro editado. As suas respostas fazem-nos sorrir, refletir e conferir que a Sara é mesmo uma escritora rara!
Como surgiu a ideia deste título?
Estas meninas que se perdem dentro de um prédio são uma espécie de D. Quixote: veem o que não está lá, o que imaginam. Como o Cavaleiro da Triste Figura que via gigantes onde havia moinhos, elas veem florestas, praias e jardins em cada casa onde entram.
Uma atitude diferente pode ser transformadora do eu e do outro?
Penso que sim. Uma atitude e uma postura diferentes levam a ações inesperadas e inabituais que por sua vez se repercutem até ao infinito. Por causa da postura de alguém, outros podem mudar, e mudando, algo de novo acontece. Neste caso, pelo menos foi assim que o desejei e criei: o príncipe, um ser especial, precursor de uma sociedade nova.
As princesas já se emanciparam?
Mais ou menos. Estão mais em vias de se emanciparem. Cada dia um passo em frente, mas ainda faltam muitos passos, apesar do já longo caminho percorrido. E algumas princesas, como se sabe, ainda vivem encarceradas.
A infância mora numa casa em cima de uma árvore?
Ah, claro! Mora perto do céu, por entre folhas e ramos, no meio dos pássaros e dos frutos. A infância mora ao pé do impossível e do sonho. Cria mundos, está sempre uns metros acima do chão para poder ver mais longe, mas também para se recolher e inventar com mais liberdade, sem os constrangimentos do dia-a-dia e sem a supervisão dos adultos. Hoje, mais do que nunca, as crianças precisam de uma casa na árvore, para se protegerem do olhar omnipresente dos adultos.
As cartas ajudam a encurtar a distância e a suportar a separação?
As cartas de antigamente ajudavam a suportar a separação e as grandes distâncias. Hoje, as cartas foram substituídas por mails, sms, conversas via internet, telefonemas, mesmo para quem não está assim tão distante como isso. Mas é parecido: quando falta a presença física, pomos palavras que funcionam como pontes: daqui até lá, de nós até ao outro; e de lá para cá e do outro para nós.
A vida no campo influencia a escrita?
Imenso. Quando fui morar para o campo, descobri os animais, foi uma festa! E embora na cidade haja convívio com vários deles, são de uma espécie diferente, domésticos. No campo, apesar de haver também os animais domésticos e os semidomésticos, há os outros que cruzam o mesmo espaço, mas que são livres, não pertencem a ninguém a não ser a eles mesmos e à natureza. Gostei muito de conhecer estes, encontrá-los nos meus passeios e fazê-los entrar nas histórias do bosque.
As crianças precisam de super-heróis?
As crianças gostariam de ser elas mesmas super-heróis, ter poderes, transformar o mundo, a vida à sua volta, salvar quem precisa. Como são pequenas e fracas, mas ao mesmo tempo têm um apurado sentido de justiça, admiram quem consegue com os seus imensos poderes fazer tudo o que ela desejaria fazer mas não é capaz.
Os animais podem ser felizes dentro de gaiolas?
Hum, pergunta difícil. Quem sabe o que os animais (coelhos, pássaros ou outros) pensam? Lembro-me de um conto de Machado de Assis Ideias do Canário em que a ideia que o canário fazia do mundo ia mudando consoante o que ele via do sítio onde a sua gaiola ia sendo colocada (sempre mundos pequenos) até que finalmente, já fora da gaiola, define o mundo como um espaço infinito e azul, com o sol por cima, já completamente esquecido dos mundos de antes. Ele ia sendo feliz em todos. Talvez seja assim com toda a gente e não só com os animais.
O que há por detrás da linha da horizonte?
Um urso que quer aprender a ler? Monstros e perigos? A liberdade, a aventura? O desejo de conhecer? Amigos novos? Mistérios para descobrir e resolver? Nunca o saberemos a menos que nos aventuremos também.
Júlia e a lebre são parentes de Alice e da Lebre de Março?
São primas, mas vamos lá definir melhor o parentesco. A lebre é prima-irmã da lebre de Março, se não mesmo a própria lebre de Março, e Júlia uma prima afastada de Alice, e prima-irmã de Delfina e Marina, duas irmãs que vivem numa outra quinta, personagens criadas pelo escritor francês Marcel Aymé.
Sara Monteiro nasceu em Lisboa, onde vive atualmente. Tem formação na área de Educação pela Arte e toda a sua atividade tem sido relacionada com a escrita. O primeiro livro publicado foi uma história para a infância intitulada As Meninas de la Mancha. Outros se seguiram, tendo o último sido publicado na Caminho: A Lebre e o Raminho de Salsa. Dá ateliers de leitura e escrita criativa em escolas, estabelecimentos prisionais e bibliotecas. Foi coordenadora editorial na Fundação Odemira e subdiretora da revista Arte Musical. É cofundadora do grupo de teatro 3 em Pipa, para a qual escreveu textos, tendo sido levadas à cena, da sua autoria, as peças O Fantasminha e a Baleia e Um Coração Perfeito. Para além dos livros publicados, tem colaboração dispersa em revistas e antologias. Desde 2013 dedica-se também à joalharia.